Fragmentos de um poema de Sundarar

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Apresentação

Sundarar, poeta do século oitavo depois de Cristo, é o mais eminente dos Nayanars, os 63 santos shivaístas reverenciados pela cultura tâmil do Sul da Índia. Sua biografia foi de tal forma magnificada que a tradição o fez nascer no Céu, da imagem de Shiva refletida no espelho. O desejo erótico o obrigou a renascer na Terra. Quando estava prestes a consumar seu rito matrimonial, Shiva, manifestando-se na forma de um velho asceta, o tornou consciente de sua verdadeira natureza. A partir de então, Sundarar passou a vagar, de santuário em santuário, compondo hinos em louvor a Shiva. Reunidos em doze volumes, esses hinos são um importante componente do Shaiva Siddhanta, a doutrina místico-filosófica derivada do culto shivaísta.

Os presentes excertos foram recriados por mim em português a partir da tradução inglesa do clássico Shivabhaktavilasam, publicada pelo Ramanashram em Tiruvannamalai, Índia. Também publiquei, tempos atrás, uma variação sobre um poema de outro Nayanar: Sambandar <https://josetadeuarantes.wordpress.com/2021/03/15/variacao-sobre-um-tema-de-sambandar/>. Quanto ao conceito abarcado pela palavra Shiva, leia-se, neste blog, o artigo “A realidade absoluta e suas manifestações primordiais” <https://josetadeuarantes.wordpress.com/2012/02/16/a-realidade-absoluta-e-suas-manifestacoes-primordiais/>

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Os versos de Sundarar

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Ó Bhagavan!

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No momento em que pensas criar os mundos, tua potência, chamada Maya, se eleva em esplêndida ação e realiza tua vontade, como em um jogo.

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Embora isento de Nome e Forma, tu assumiste o nome Shiva em benefício de teus devotos.

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Enraizada em teu poder causal, Maya traz Mahat [Mundo] à existência. Nesse caminho, Jiva [Alma Individual], Manas [Mente] e Indriyas [Sentidos] são criados.

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Embora esses ingredientes sejam heterogêneos, tu os compões com habilidade, por meio do ato mágico chamado Panchakarana [Quintuplicação Cósmica].

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Como Brama, tua palavra traz a Realidade ao Ser; como Vishnu, tu o preservas; como Hara, tu o aniquilas. Assim como o fio mantém juntas as contas do colar, tu suportas miríades de objetos.

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A água, seja como for, deve retornar ao oceano. Do mesmo modo, as Almas Individuais devem retornar a ti, que não tens começo, nem meio, nem fim, e és o soberano Eu.

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Tu és o Purusha [Observador Imutável], brilhando no orbe dourado. Tu és percebido como o Purusha Interior, do tamanho do polegar, no peito de quem medita. Contemplando-te, a dúvida e a morte são destruídas.

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Como Dakshinamurti, o Guru Primoridal, tu instruíste os grandes rishis, sentado sob a árvore banyan.

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Tu foste adorado por Vishnu em suas sucessivas encarnações.

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Todos os mantras e gemas mágicas derivam sua potência de ti.

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Tu vagueias no espaço além do alcance do conhecimento mundano. Doador do destemor e facilmente propiciado por Bhakti (Devoção), brilhante como um milhão de sóis, tu és a coroação da sabedoria alcançada por meio do mantra Soham [Eu sou Isso].

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Imagem no alto

Representação tradicional dos quatro maiores santos shivaístas, reunidos em torno do Shivalingam. Da esquerda para a direita: Sambandar, Appar, Sundarar e Manikavasakar. Detalhe de um frontão do Templo Brahmapuriswarar, localizado em Thirupattur. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thirumeignanam_(6).jpg

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