Diálogo fora do tempo (poema de Kabir)

kabir tecendo

Kabir tecendo: pintura do período Mughal

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Gorakhnath pergunta a Kabir:

Quando tua vocação se manifestou? Onde teu amor teve origem?

 

Kabir responde:

Quando aquela, cujas formas são múltiplas, não havia iniciado sua dança,

Quando ainda não havia guru ou discípulo, e nem mesmo o mundo existia,

Quando o supremo Uno estava sozinho, foi então que me tornei um asceta,

Foi então, ó Gorakh, que meu amor se voltou para o eterno Brahman.

 

Brama não havia posto a coroa, Vishnu não havia sido ungido,

Shiva não havia manifestado seu poder, quando fui iniciado no yoga.

Desvelei-me em Varanasi e Ramananda acolheu-me como pupilo.

Trouxe comigo a sede do infinito e vim a este mundo para encontrá-lo.

 

Em simplicidade, meu amor cresce, até alcançar o sumamente simples.

Escuta também a música do simples. E dança conforme a música!

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Nota explicativa

Este é mais um dos 100 poemas de Kabir que recriei em português, a partir da tradução inglesa de Rabindranath Tagore (Kabir: Cem Poemas, Attar Editorial, 2013). Nele, Kabir dialoga com Gorakhnath, que viveu séculos antes. O título “Diálogo fora do tempo” não faz parte do poema. Eu o adotei aqui por mera conveniência editorial.

Gorakhnath é um dos 18 siddhas (“iogues perfeitos”) e um dos 9 nath saddhus (“ascetas sagrados”). Essas duas linhagens, ambas da tradição shivaista, tiveram enorme importância no desenvolvimento do yoga. E ao próprio Gorakhnath são atribuídos vários tratados dedicados ao assunto, além de textos sobre filosofia, alquimia e medicina.

Alguns autores argumentam que esse grande sábio teria vivido no século XI ou XII. Mas os devotos fazem sua existência remontar a tempos imemoriais e afirmam que ele seria um daqueles que, por meio do yoga, teriam conquistado a imortalidade.

Ao adotar como interlocutor fictício um iogue dessa estatura, Kabir dá bem uma ideia da grandeza de sua própria realização espiritual.

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