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“Esa hora que puede llegar alguna vez fuera de toda hora, agujero en la red del tiempo…” (Cortázar)
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Um olho se abre
enquanto os demais ficam fechados
e a súbita visão de um rosto
faz a multidão sair de foco
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uma porta se abre
enquanto as demais ficam fechadas
e o tempo se esgarça, oferecendo a quem tem olhos
a secreta nudez da eternidade
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flor imaculada que emerge do lodo do pântano
e põe entre parênteses a implacável sequência das horas
língua líquida que devolve ao ventre oceânico
a estreita praia da consciência cotidiana
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e me concede por um momento ser Ungaretti
e condensar em diamante puro
a singularidade do amanhecer na trincheira:
m’illumino d’immenso.
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Porém o instante escorrerá pelos dedos
e o dia retomará seu curso
pois Prometeu deverá roubar mil vezes o fogo dos deuses
antes que o regime da combustão se torne estável
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a horas recomporão sua trama qual pontos de um crochê
pois Jesus deverá morrer mil vezes na cruz
e mil vezes ressurgir dos mortos
antes que sobrevenha a hora do Cristo
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