Sabedoria Perene

 

Mandala

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Aldous Huxley (1894 –1963), o genial pensador e escritor inglês, sintetizou em três tópicos as características da grande visão de mundo que ele denominou Filosofia Perene. Reproduzo, aqui, esses três tópicos, utilizando palavras um pouco diferentes daquelas empregadas por Huxley, com a pretensão de alcançar, talvez, uma definição mais concisa e rigorosa:

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1. Uma metafísica que reconhece a existência de uma Realidade Unitária subjacente à matéria, à vida e à mente;

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2. Uma psicologia que encontra na alma algo semelhante, ou até mesmo idêntico, a essa Realidade Unitária;

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3. Uma ética que estabelece como finalidade última do humano conhecer essa Realidade Unitária e agir de acordo com a orientação que dela procede.

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Huxley, adotando a terminologia consagrada por Leibniz (1646 – 1716), popularizou a expressão Filosofia Perene (Philosophia Perennis). De minha parte, prefiro dizer Sabedoria Perene (Sophia Perennis), pois acredito que não se trata propriamente de uma filosofia – de um “amor à sabedoria”, de um esforço humano rumo ao conhecimento, de uma construção intelectual que consigna esse esforço – mas da Sabedoria, Ela Mesma, que se derrama sobre o humano a partir de uma Fonte Superior.

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Deste ponto de vista, a expressão Sophia Perennis corresponde exatamente àquilo que a alta espiritualidade indiana denomina Sanathan Dharma (A Lei Eterna) e que a alta espiritualidade islâmica refere como Al-Hikmah al-Ilahiyah (A Sabedoria Divina).

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Projeções dessa Sabedoria originaram – dizem – os maiores livros da humanidade:

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1. Os que a espiritualidade indiana denomina Shruti (“Aquilo que é ouvido”), textos que, segundo as tradições, não possuiriam autores humanos, tendo sido recebidos pelos grandes profetas, clarividentes e clariaudientes diretamente do Plano Divino;

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2. Os que a espiritualidade indiana denomina Smriti (“Aquilo que é lembrado”), textos que, embora divinamente inspirados, expressariam as opiniões de seus autores históricos.

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O núcleo da Sophia Perennis consiste na noção da Unidade e da estruturação hierárquica de sua manifestação. Para expressar de forma cabal essa noção, ouso propor a seguinte fórmula, que é quase um prece, se posso dizer assim:

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1. Tudo é Um;

2. A Unidade manifesta-se com Multiplicidade;

3. A Multiplicidade estrutura-se em uma hierarquia de níveis:

4. Este é o Conhecimento que conduz à autorrealização;

5. Este é o Conhecimento que abre todas as portas.

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Recolhi, nas grandes fontes da Sophia Perennis, algumas sentenças que, acredito, traduzem com muito mais propriedade tal conteúdo. Trata-se somente de uma pequena amostra, que nem de longe faz justiça ao vastíssimo corpo literário associado à Sophia Perennis, mas pode incentivar outros a comporem suas próprias coleções:

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Sobre a Realidade Absoluta – 1

O curso que pode ser discursado

Não é o Curso Eterno (*).

O nome que pode ser nomeado

Não é o Nome Eterno.

Imanifesto, é a origem do Céu e da Terra.

Manifesto, é a mãe das Dez-Mil-Coisas.

Portanto:

No imanifesto, contemplemos seu deslumbramento.

No manifesto, contemplemos seu delineamento.

Ambos, saindo do Mesmo, só se distinguem pelo nome.

Chama-se ao Mesmo Mistério.

De Mistério a Mais-Mistério:

Eis a porta de toda maravilha.

(*) “Curso” ou “Caminho” são as palavras geralmente utilizadas para traduzir o termo Dao (Tao). Como o próprio poema afirma, o verdadeiro Dao é inominável.

Laozi (Lao Tsé), Daodejing (Tao Te Ching)

(Tradução de Mário Bruno Sproviero, adaptada por José Tadeu Arantes)

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Sobre a Realidade Absoluta – 2

Aquele de que a voz não pode falar, mas que é a causa da fala, sabe-se ser o único Brahman (*). Não esse que as pessoas cultuam.

Aquele que a mente não pode pensar, mas que é a causa do pensamento, sabe-se ser o único Brahman. Não esse que as pessoas cultuam.

Aquele que os olhos não podem ver, mas que é a causa da visão, sabe-se ser o único Brahman. Não esse que as pessoas cultuam.

Aquele que os ouvidos não podem ouvir, mas que é a causa da audição, sabe-se ser o único Brahman. Não esse que as pessoas cultuam.

Aquele que não se pode respirar, mas que é a causa da respiração, sabe-se ser o único Brahman. Não esse que as pessoas cultuam

Se você acha que o conhece bem, você realmente o conhece muito pouco. Aquilo que você vê nos entes e nos deuses é apenas uma pequena porção dele.

Eu sei que o conheço bem, e também sei que não o conheço. Aquele sobre o qual nosso conhecimento sabe e não sabe é, sozinho, o verdadeiro conhecimento.

Para o ignorante, ele é o conhecido. Para o verdadeiro mestre, o desconhecido. De fato, a imortalidade é o ganho para quem e conhece.

(*) Brahman é a palavra utilizada pelo vedanta para designar a Realidade Absoluta. Corresponde ao Parashiva, do shaiva siddhanta indiano; ao Dao, do taoísmo chinês; ao Ayn, da qabalah judaica; ao Hen (Uno), do neoplatonismo grego; ao Deus Absconditus, da mística cristã; a Allah, em sua Realidade Primeira e Última, tal como o contempla o sufismo islâmico.

Kena Upanishad (excerto)

(Versão de Marcela Micheli Arantes, a partir de uma tradução inglesa)

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Sobre a Realidade Absoluta – 3

Antes de todas as coisas, tem de existir o Simples, diferente de tudo o que dele advém, autoexistente e, no entanto, capaz de estar presente nessas outras ordens.

Não é possível conhecê-lo ou falar a respeito dele. Ele é descrito como “Além do Ser” ou “Sobre-Ser”. Pois, se ele não fosse algo simples, além de toda coincidência e composição, não seria o primeiro princípio.

Se o Primeiro é perfeito, o mais perfeito entre tudo, e é o princípio de todo poder, tem de ser mais poderoso do que todas as coisas, e todos os outros poderes devem imitá-lo na medida de sua capacidade.

Assim, quando algo chega à perfeição, vemos que começa a gerar, pois não é capaz de permanecer fechado em si mesmo e engendra algo mais.

O Uno é todas as coisas e não é nenhuma delas. Ele é o princípio (arché) de todas as coisas.

Plotino, Enéadas

(Tradução de Américo Sommerman)

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Sobre a Realidade Absoluta – 4

Onde eu ando – Tu!

Onde eu paro – Tu!

Só Tu, outra vez Tu, sempre Tu!

Tu, Tu, Tu!

Quando estou bem – Tu!

Se a dor me vem – Tu!

Só Tu, outra vez Tu, sempre Tu!

Tu, Tu, Tu!

O céu – Tu, a terra – Tu,

Em cima – Tu, embaixo – Tu,

Em toda parte, onde quer que eu vá,

Só Tu, outra vez Tu, sempre Tu!

Tu, Tu, Tu!

Rabi Levi Itzhak de Berditschev

(Tradução de Monica Udler Cromberg)

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Sobre o Homem

Deus quis ver as Essências de seus muito perfeitos Nomes, cujo número é infinito. E, se você quiser, pode igualmente dizer: Deus quis ver a sua Própria Essência em um objeto global, que, tendo sido dotado de existência, resumisse toda a Ordem Divina, de modo que, aí, Ele pudesse manifestar o seu Mistério para Si Próprio. (…) A princípio, Deus criou o mundo inteiro como algo amorfo e desprovido de graça, comparável a um espelho ainda não polido. Mas é uma regra da Atividade Divina não preparar nenhum “lugar” sem que este receba um Espírito Divino. (…) Assim, a Ordem Divina exigiu o polimento do espelho do mundo; e Adão tornou-se a própria luz desse espelho e o espírito dessa forma.

Ibn Árabi, Fusus al-Hikam

(Tradução de JTA, a partir da tradução francesa de Titus Burckhardt)

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Sobre a relação do Homem com Deus – 1

Em nome de Deus, o Beneficente, o Misericordioso.

Louvado seja Deus, o Senhor dos Mundos.

O Beneficente, o Misericordioso,

Soberano do Dia do Juízo.

A Ti servimos, a Ti pedimos ajuda.

Guia-nos pelo Caminho Reto,

O Caminho daqueles a quem concedeste Tua Graça,

Aqueles cuja porção não é a ira e que não se extraviam.

Amém.

Corão, Suratu al-Fatihah

(Tradução de Monica Udler Cromberg)

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Sobre a relação do Homem com Deus – 2

Os ferozes raios do sol, incidindo sobre a água,

Fazem com que o sal nela dissolvido emerja na forma do cristal.

Atirado à água, esse mesmo sal dissolve-se novamente.

Assim o Jiva (1), em Shiva (2), funde-se outra vez.

O diminuto átomo, imerso no vasto Cosmo,

Funde-se com a vastidão – e não conhece existência separada.

Assim o Espírito, habitando cada corpo,

Ao vislumbrar Seus Pés Sagrados (3), recorda-se do Lar Ancestral.

(1) Jiva: a alma individual.

(2) Shiva: a Divindade, primeira processão da Realidade Absoluta, que se manifesta como Pura Consciência, Pura Potência e Puro Auspício.

(3) Pés Sagrados: os Pés de Shiva, que o iogue visualiza ou imagina apoiados sobre o topo de sua própria cabeça.

Tirumular, Tirumandiram

(Versão de JTA, a partir da tradução inglesa de B. Natarajan)

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Sobre a relação do Homem com Deus – 3

As pessoas imaginam que seja uma presunção dizer “Eu sou Deus”, quando, em realidade, o presunçoso é dizer “Eu sou um escravo de Deus”. Porque aquele que diz “Eu sou um escravo de Deus” afirma duas existências. Ao passo que aquele que diz “Eu sou Deus” afirma “Eu não sou nada; Ele é tudo; não há outro ser além de Deus”.

Rumi, Elogio póstumo a Al-Hallaj

(Tradução de JTA, a partir de uma tradução inglesa)

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Sobre a relação do Homem com Deus – 4

Senhor:

Se te amo pelo anseio do Paraíso,

Priva-me dele;

Se te amo pelo temor do Inferno,

Atira-me nele.

Mas,

Se te amo por Ti Mesmo,

Não me negues tua Eterna Beleza.

Rabi’a al-Adawiyya

(Versão de JTA, a partir de uma tradução inglesa)

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Sobre a relação do Homem com Deus – 5

Carrego uma tocha na mão

E um balde d’água na outra:

Com eles, vou atear fogo ao Céu

E apagar as chamas do Inferno,

Para que os buscadores de Deus

Possam afastar os véus

E enxergar a meta verdadeira.

Rabi’a al-Adawiyya

(Versão de JTA, a partir de uma tradução inglesa)

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Sobre as Sagradas Escrituras

Infeliz é o homem que vê na interpretação da Lei a recitação de uma simples narrativa, contada com palavras de uso comum. Se fosse só isso, não teríamos dificuldade alguma em compor hoje uma Torá melhor e mais atraente. Mas as palavras que lemos são apenas a túnica exterior. Cada uma delas contém um significado mais alto do que o que nos é aparente. Cada uma contém um mistério sublime que devemos tentar penetrar com persistência. Os que tomam o traje exterior pela coisa que ele cobre não encontrarão muita felicidade nele – exatamente como os que julgam o homem apenas por sua vestimenta exterior estão fadados à desilusão, pois são o corpo e o espírito que fazem o homem. Sob a vestimenta da Torá, que são as palavras, e sob o corpo da Torá, que são os Mandamentos, encontra-se a alma, que é o mistério oculto. É o mistério oculto que faz a Lei dada por Deus superior a todas as leis feitas pelo homem, ainda que estas últimas possam aparecer mais grandiosas e parecer mais lógicas. Há uma alma dentro de uma alma que respira com a Lei.

O Zohar, Idra Rabba

(Tradução de Rosie Mehoudar, conforme a seleção do rabino Ariel Bension)

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Sobre os merecedores

Quando um homem faz uma boa ação, uma centelha da Luz Superior vem para baixo e se une a ele. Ela lhe serve de traje quando ele entra no outro mundo e é obrigado a apresentar-se ao seu Criador. Por causa desse traje, está capacitado a saborear as alegrias do eleito, e lhe é permitido olhar o Espelho Luminoso face a face. E a alma, para ser perfeita, deve ter dois trajes: um para o mundo terrestre e outro para o mundo vindouro.

O Zohar, Idra Rabba

(Tradução de Rosie Mehoudar, conforme a seleção do rabino Ariel Bension)

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Sobre os recalcitrantes

[Seu exemplo é o daqueles que em uma tempestade] colocam os dedos nos ouvidos para se protegerem dos trovões com medo da morte […] O raio quase arrebata seus olhos. A cada vez que lhes ilumina [o caminho], eles avançam; mas quando a escuridão sobrevém, param novamente.

Corão, Suratu al-Baqarah

(Versão de JTA, a partir da tradução em língua inglesa de Saheeh International)

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Sobre o autoconhecimento – 1

Disse Jesus: se vossos guias vos disserem “eis que o Reino está no Céu”, então as aves estarão mais perto dele do que vós; se vos disserem “eis que o Reino está no mar”, então os peixes já o conhecem. Pelo contrário, o Reino está dentro de vós e também fora de vós. Se vos conhecerdes, sereis conhecidos, e sabereis que sois filhos do Pai, o Vivente. Mas, se não vos conhecerdes, estareis na miséria e sereis a miséria.

Jesus, conforme o Evangelho de Tomé, Logion 3

(Versão de JTA, a partir da tradução de Huberto Rohden)

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Sobre o autoconhecimento – 2

Onde estiver o Jiva, lá estará Shiva.

Ramakrishna Paramahansa

(Tradução de JTA)

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Sobre a autorrealização

O homem de Deus está ébrio sem vinho,

O homem de Deus, saciado sem pão.

O homem de Deus está apaixonado, arrebatado,

O homem de Deus não come nem dorme.

O homem de Deus é um rei sob andrajos,

O homem de Deus, um tesouro entre ruínas.

O homem de Deus não é da terra ou do ar,

O homem de Deus não é do fogo ou da água.

O homem de Deus é um oceano sem praias,

O homem de Deus chove pérolas, sem nuvens.

O homem de Deus traz cem luas e cem céus,

O homem de Deus possui a luz de cem sóis.

O homem de Deus tornou-se sábio pela Verdade,

O homem de Deus não se fez erudito nos livros.

O homem de Deus está além da fé e da incredulidade,

Para o homem de Deus, que pecado ou virtude existem?

O homem de Deus cavalgou para fora do não-ser,

O homem de Deus acercou-se com porte sublime.

O homem de Deus está oculto, ó Shams ud-Din!

Procura e encontra o homem de Deus.

Rumi, Divan-e Shams-e Tabrizi

(Versão de JTA, a partir da tradução francesa de Eva de Vitray-Meyerovitch e Mohammad Mokri)

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Sobre a vida e a morte

[…] Os sábios não se afligem por aqueles que vivem, nem se afligem por aqueles que morrem, pois a vida e a morte são passageiras.

Porque todos nós existimos desde sempre […] E todos nós existiremos sem cessar […].

Assim como o Espírito de nosso corpo mortal transita da infância à juventude à velhice, assim também transita a um novo corpo: quanto a isto os sábios não têm dúvidas.

Do mundo dos sentidos […] vem o calor e o frio, o prazer e a dor. Eles vêm e vão, pois são transientes. Ergue-te pois acima deles, ó alma forte.

O homem que esses movimentos não movem, cuja alma é uma, além do prazer e da dor, este é digno da vida eterna.

O irreal nunca é; o Real nunca deixa de ser. Esta verdade, de fato, foi vista por aqueles capazes de ver a verdade.

Entrelaçado em sua criação, o Espírito está além da morte. Ninguém pode colocar um fim naquilo que é eterno.

Além do tempo, ele habita os seus corpos, e, embora os corpos tenham um fim em seu tempo, ele permanece incontável, imortal […]

Não nascido e eterno, além do tempo que vai e do tempo que vem, não morre quando os corpos morrem.

Assim como o homem se desfaz de uma roupa velha e veste outra, que é nova, assim o Espírito deixa seu velho corpo para habitar um novo corpo.

Bhagavad Gita, Capítulo 2

(Versão de JTA, a partir da tradução inglesa de Juan Mascaró)

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Sobre o Mestre – 1

Disse Jesus: Eu sou a Luz, que está acima de todos. Eu sou o Todo. O Todo saiu de mim, e o Todo voltou a mim. Rachai um pedaço de madeira: lá eu estou. Erguei uma pedra: lá me encontrareis.

Jesus, conforme o Evangelho de Tomé, Logion 77

(Versão de JTA, a partir da tradução de Huberto Rohden)

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Sobre o Mestre – 2

Para ti teceste o meu amor, ó Faquir! (*)

Eu dormia, pesado, em meu quarto, e me despertaste,

Acordando-me com tua voz, ó Faquir!

Eu me afogava no oceano deste mundo, e me salvaste,

Soerguendo-me com teu braço, ó Faquir!

Eu estava vinculado aos meus hábitos, e me libertaste,

Dizendo uma palavra, não duas, ó Faquir!

Kabir diz: Tu uniste teu coração ao meu, ó Faquir!

(*) A palavra “faquir”, derivada do árabe faqr (“pobreza”), designa, no sufismo, os dervixes errantes, que se libertam de suas posses e vínculos mundanos para seguir o caminho do autodesenvolvimento. No poema, refere-se ao Satguru, o Mestre Totalmente Realizado.

Kabir, Cem Poemas

(Versão de JTA, a partir da tradução inglesa de Rabindranath Tagore)

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Sobre o método – 1

Mesmo que pratique ioga por oitocentos anos,

Quem será capaz de experimentar o Eterno Ser?

Mas, se dirigirmos o olhar para dentro, poderemos vê-lo,

Como se fosse nossa própria imagem no espelho.

Se dirigirmos os dois olhos para cima, para o alto do nariz,

Não experimentaremos cansaço nem morte,

Nem pressa, pensamento egoico ou desejo a ser satisfeito.

E nos tornaremos unos com Shiva.

Tirumular, Tirumandiram

(Versão de JTA, a partir da tradução inglesa de Prema Nandakumar)

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Sobre o método – 2

Yoga é a cessação da identificação com as flutuações que ocorrem no interior da consciência. Então, o observador repousa em sua própria forma verdadeira.

Patânjali, Yoga Sutras

(Tradução de JTA, a partir da tradução inglesa de M. Govindan Satchidananda)

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Sobre o método – 3

Aqueles que buscam comungar com o Bom, não necessitam de conhecimento nem de atividade, mas de estabelecer-se em um estado estável de quietude. O que é isso que nos une ao Bom? O que é isso que causa em nós a cessação da atividade e do movimento? O que é isso que estabelece todas as naturezas divinas na primeira e inefável unidade do Bem? […] Isso é, em poucas palavras, a fé (pistis) divina, que, inefavelmente, une todas as classes de deuses, daemons e almas abençoadas ao Bom. Pois devemos investigar o Bom não por meio do conhecimento (gnôstikôs) e de maneira imperfeita, mas entregando-nos à Luz Divina, e, fechando os olhos, tornando-nos estabelecidos na desconhecida e oculta Unidade dos Seres. Pois essa classe de fé é mais venerável do que a atividade cognitiva, não apenas em nós, mas também nos próprios deuses.

Proclo, Teologia Platônica

(Versão de JTA, a partir da tradução inglesa de Thomas Taylor)

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Sobre o método – 4

[…] pratica sem cessar as contemplações místicas, abandona as sensações, renuncia às operações intelectuais, rejeita tudo o que pertence ao sensível e ao inteligível, despoja-te totalmente do não-ser e do ser, e eleva-te assim, tanto quanto puderes, até te unires, na ignorância, com Aquele que está além de toda essência e de todo saber. Pois é saindo de tudo e de ti mesmo, de maneira irresistível e perfeita, que te elevarás em um puro êxtase até o brilho obscuro da Divina Superessência, tendo tudo abandonado e estando despojado de tudo.

Pseudo-Dionísio Areopagita, A Teologia Mística

(Tradução de JTA, a partir da tradução francesa de Maurice de Gandillac)

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Sobre o método – 5

Jamais retorne ao laço estreito do ciclo de nascimentos e mortes. Sempre fique perto do “Eu” que está mais próximo do coração, e nunca afrouxe a vigilância sobre as divagações de sua mente. Dia após dia, noite após noite, hora após hora, tente explicitá-lo, tornando-o um ponto de irradiação […] Adquira a saudável companhia desse sentimento solitário. Construa sua individualidade para além de sua personalidade. Deixe esse pequeno “Eu” crescer, mais e mais, no grande “eu”, fazendo com que este se torne cada vez menor, até que ele desapareça, quando seu interesse pelo ambiente cessar […] Aquilo que chamamos pelo nome de “Eu” ou “Tu” não é apenas o corpo físico com a vida e a mente. Dizem que o “Eu” ou “Tu” consiste em cinco invólucros, mas, ordinariamente, nós crescemos sem ter consciência de dois desses cinco. Precisamos explicitar os outros dois para que brilhem com os três, mais e mais […] Deixe que o coração, o Homem Interno no coração, guie você ao invés da emoção e do intelecto. Tente ficar perto ou ser habitado pelo “Eu” […]Cresça pleno, inteiro, e não em secções, e, então, junte-se a outros que tenham crescido e se tornado inteiros por eles mesmos. Você deverá lidar com qualquer outro em termos de igualdade,  e não como superior ou subordinado,  professor ou aluno, preceptor ou seguidor. Sem disputa, personificação ou idolatria. Cada um cuida de si, isto é, deixe que cada um cresça por si mesmo”.

Bábaji, conforme a trilogia de V. T. Nilakantan, The Voice of Babaji

(Tradução de JTA)

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Sobre o dinheiro

Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e os carunchos os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus (…) Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro (…) Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo. A cada dia basta o seu o mal.

Jesus, conforme o Evangelho de Mateus, 6, 19-34

(Tradução da Bíblia de Jerusalém)

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Sobre o humor

A se acreditar no que dizem algumas pessoas devotas, deveríamos imaginar que Deus jamais ri; Heine esteve próximo da marca quando descobriu Nele o divino Aristófanes. O riso de Deus é, às vezes, muito grosseiro e impróprio para os ouvidos polidos; Ele não se satisfaz em ser Molière, Ele precisa também ser Aristófanes e Rabelais.

Sri Aurobindo Ghose, em Mother India

(Tradução de JTA)

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Sobre a identidade essencial das grandes tradições espirituais – 1

Meu coração tornou-se capaz de todas as formas:

É um pasto de gazelas, o convento do cristão,

Um templo para os ídolos, a Caaba do peregrino,

As tábuas da Torá, o texto do Corão.

Sigo a religião do Amor.

Para onde quer que avancem as caravanas do Amor,

Lá é meu credo e minha fé.

Ibn Árabi, Tarjuman al-Ashwaq

(Versão de JTA, a partir de traduções em inglês e francês)

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Sobre a identidade essencial das grandes tradições espirituais – 2

A alta espiritualidade move-se em um espaço vasto e livre, muito acima do baixo estágio de busca governado pelas formas religiosas e pelo dogma; ela não suporta facilmente suas limitações, e, mesmo quando as admite, as transcende; ela vive uma experiência ininteligível para a mente religiosa convencional. Mas o homem não chega imediatamente a essa suprema elevação interior, e, se ela lhe for exigida de uma só vez, ele jamais a alcançará. De início, ele necessita de suportes mais baixos e de escadas; ele pede por alguns andaimes de dogma, forma, imagem, símbolo e adoração, ele pede pela permissão de uma mistura de motivos seminaturais sobre a qual possa se apoiar enquanto constrói em si mesmo o templo do espírito. Somente quando o templo está pronto, os suportes podem ser removidos e os andaimes retirados.

Sri Aurobindo Ghose, Indian Spirituality and Life

(Tradução de JTA)

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Sobre o futuro

A evolução não terminou; a razão não é a última palavra, nem o animal racional é a suprema figura da Natureza. Assim como o homem emergiu do animal, o super-homem emergirá do homem.

Sri Aurobindo Ghose, Thoughts and Aphorisms

(Tradução de JTA)

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Finalizemos esta pequena coleção com mais uma frase de Sri Aurobindo:

“O que é Deus afinal? Uma eterna criança jogando um eterno jogo em um eterno jardim”.

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