Heliopausa

*

“Tat Tvam Asi –Tu és Isso” (Chandogya Upanishad)

Rachai a madeira — lá eu estou. Erguei a pedra — lá me achareis” (Evangelho de Tomé)

*

Heliopausa é uma região localizada hipoteticamente na fronteira do sistema solar. Nela, a pressão exercida pelo vento solar não seria mais suficiente para repelir o meio interestelar. Por isso, é considerada a região limítrofe do sistema que habitamos. Localiza-se muito além do planeta mais longínquo, muito além da chamada nuvem de Oort, de onde viriam os cometas. Estima-se que esteja 110 a 160 vezes mais afastada do sol do que a terra.

*

Quando penso em confins, a ideia que vem à mente é a da heliopausa. É a extrema desolação, a província mais distante. No entanto, se eu tivesse agora uma imagem externa da via láctea, uma imagem obtida por um observador situado fora do plano da galáxia, o sistema solar inteiro, limitado pela heliopausa, não seria, talvez, mais do que um pixel, um pequeno grão, no meio de uma flamejante população de 200 a 400 bilhões de estrelas.

*

A via láctea, por sua vez, é apenas uma entre as centenas de bilhões de galáxias que compõem o universo observável. Isso já seria suficiente – mais do que suficiente – para exemplificar o que pretendo dizer. Mas é instigante ir além, e pensar que possam existir centenas de bilhões de universos, compondo um fantástico multiverso. E assim sucessivamente, até a vertigem.

*

Descobri, por experiência própria, que o paroxismo da materialidade oferece a opção de transcender a matéria. É como chegar à beira de um abismo, diante do qual ou se recua ou se salta. Foi o paroxismo da materialidade que me fez superar o materialismo e buscar um caminho espiritual. Ou, melhor, um caminho capaz de integrar – ainda que como os primeiros balbucios de uma criança – as múltiplas manifestações do Real.

*

Único – um sem outro – o Real escapa a toda descrição, a toda imaginação, a toda concepção. A palavra, a imagem, o conceito, essas operações da mente ou do intelecto, pressupõem a diferenciação entre sujeito e objeto: aquele que descreve, imagina ou concebe e aquilo que é descrito, imaginado ou concebido. E também a diferenciação entre figura e fundo: o objeto em pauta e aquilo que não o é. Mas o Real, que tudo inclui, e tudo transcende, está além de todas as divisões, de todas as diferenciações, de todas as dicotomias. Por isso, não pode ser descrito, imaginado ou concebido. É, literalmente, indescritível, inimaginável e inconcebível. É o “Deus absconditus”, de Nicolau de Cusa; o “Deus que se oculta”, do Livro de Isaías; o “Isso” diante do qual os incontáveis, atordoantes e maravilhosos multiversos são simples cintilações de superfície.

*

Mas o “Isso” é também o “Isto”. E, aqui, cheguei finalmente onde queria. O rex tremendae majestatis, com seu manto bordado de galáxias, é também o iogue nu que habita a caverna do coração. Ou – melhor – é a pequena chama que habita o coração do iogue nu que me habita. E também tudo o que é habitado ou habitável.

*

Nicolau de Cusa resumiu: “Cada coisa está em cada coisa”. Sri Aurobindo desenvolveu ideia semelhante em seu comentário à Isha Upanishad: “Todo o mundo é um movimento do espirito em si mesmo”. E acrescentou: “Cada objeto separado no universo é, de fato, ele mesmo o universo inteiro, apresentando uma certa fachada ou aparência exterior de seu movimento. O microcosmo é um com o macrocosmo”.

*

Se tal não fosse, o “Isso” seria a superabundância enquanto o “Isto” seria a escassez. Pior do que a escassez, seria a completa privação. E o vislumbre do macrocosmo não me levaria ao deslumbramento, mas, sim, à mais obscura prostração.

*

Porém não. O “Isso” e o “Isto” são um e o mesmo: o unus mundus, a totalidade indivisa. Então, não é a prostração obscura que o vislumbre suscita, porém a exaltação luminosa. “Luz sobre luz”, como afirma a alegoria descrita pela sura an-nur do nobre Corão.

*

Kabir disse: “Se pões o Senhor longe de ti, o que reverencias é a distância”.

*

Imagem ao alto: paisagem vista desde Machu Picchu. Foto de JTA.

*