25 proposições sobre o Eu

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Apresentação

Em 2015, conduzi ao longo de vários meses um curso sobre o Yoga de Sri Aurobindo. Na época, eu estava lendo a biografia de Ibn Árabi escrita por Claude Addas: Ibn ‘Arabi ou la quête du Soufre Rouge. E foi muito instrutivo perceber as conexões entre os pensamentos aurobindiano e akbariano. Sintetizei essas conexões em um conjunto de 25 tópicos.

Publiquei esse texto tempos atrás. E o republico agora com pequenas modificações e acréscimos. Ele constitui uma resposta a indagações que me acompanham desde a juventude. E, juntamente com outro texto, que intitulei “Meu credo pessoal”, compõe uma espécie de roteiro particular para o bem viver.

As 25 proposições que o integram bebem em três fontes distintas, que, no entanto, dialogam perfeitamente: a milenar tradição do Shaiva Siddhanta, a filosofia de Sri Aurobindo (1872 — 1950)  e a mística de Ibn Árabi (1165 — 1240). A maneira de dizer e as eventuais inconsistências do que é dito são, é claro, de minha inteira responsabilidade.

Estas proposições não devem ser lidas como uma descrição literal, mas como uma narrativa alegórica, apenas alusiva. Os termos técnicos são definidos no próprio texto. Porém, uma compreensão mais aprofundada pode ser favorecida pela leitura dos textos sugeridos no final.

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Os 25 tópicos

1. A Realidade Absoluta (Parashiva) manifesta-se como o Supremo Eu (Paramatman).

2. O Supremo Eu é o Existente, o Consciente, o Beatífico (Satchidananda).

3. Sem um outro, sem limites externos, sem divisões internas, o Supremo Eu engloba, como um potencial indiferenciado, todos os Atributos Divinos.

4. E os diferencia, projetando de si mesmo infinitos raios.

5. Cada raio é um Nome Divino, que expressa o correspondente Atributo.

6. Cada Nome produz ou manifesta-se como um Eu Individual (Jivatman).

7. Todos os Eus Individuais são o Supremo Eu, mas cada qual o manifesta segundo um “ângulo” específico.

8. Por isso, embora todos os Eus Individuais sejam o Mesmo, cada qual expressa esse Mesmo de modo absolutamente singular.

9. De forma alegórica, poderíamos representar o Supremo Eu como um grande salão, feericamente iluminado, dotado de infinitas janelas (Eus Individuais). Cada janela nos possibilita contemplar o salão, porém apenas segundo um certo ponto de vista.

10. Para que o Absoluto efetive todo o seu Potencial e concretize todos os seus Atributos, de modo a manifestar seu Mistério para si mesmo, é preciso que cada Eu Individual produza e reja, em cada plano da Manifestação, uma expressão da Qualidade que lhe é inerente.

11. As várias expressões do mesmo Eu Individual são aperfeiçoadas pela Evolução. E sintetizadas em um Ente completo, multinivelado e integrado.

12. Cada Ente é o próprio Absoluto, mas o Absoluto enquadrado pelo Nome particular que o rege. Nos termos de nossa alegoria, o Ente pode e deve contemplar o salão iluminado, mas somente o fará a partir da janela que lhe cabe.

13. Tal processo, que explica “quem somos” e “o que estamos fazendo aqui”, ainda não se completou no ambiente terrestre. Aliás, parece improvável que deva permanecer confinado ao ambiente terrestre.

14. É importante dizer que o Eu Individual não desce aos vários planos da Manifestação.

15. Ele permanece acima, como um Arquétipo Eterno.

16. Não nasce, não morre, não evolui. Os acertos do Ente que ele rege não lhe trazem mérito nem o fazem melhorar, os erros do Ente que ele rege não lhe trazem demérito nem o fazem piorar. Infenso às flutuações da Manifestação, ele permanece imutável, impassível, impecável. Não se aperfeiçoa, porque já é, em sua particularidade, uma expressão perfeita do Supremo Eu.

17. Mas, para que sua Qualidade singular se expresse na Manifestação, ele precisa enviar um “representante” de si mesmo a cada plano. Cada “representante” codifica, na “substância” específica do plano que lhe compete, a Qualidade eterna do Eu Individual.

18. E o “representante-mor” é a Centelha da Alma, que sustenta e promove a evolução do conjugado físico-vital-mental e aspira e trabalha pela descida do sobremental e do supramental.

19. A Centelha da Alma, que chamo afetuosamente de “Pequena Chama”, transporta a Individualidade de vida em vida. E, ao longo das sucessivas encarnações, configura em torno de si um Campo ou Ente Psíquico.

20. Constituído por uma “substância” sutilíssima, consciente e ativa, o Ente Psíquico atua, cresce e evolui, vida após vida.

21. As experiências da vida (pensamentos, palavras e ações) imprimem nele suas marcas (samskaras) e definem nele tendências (vasanas).

22. Marcas e tendências (samskaras e vasanas) condicionam a trajetória do Ente Psíquico, e, por decorrência, do Ente Completo (ou em busca da completude). Mas é preciso que o Ente os supere, para ser, cada vez mais, uma expressão fiel do imaculado Eu, e não um emaranhado de traumas e complexos.

23. Tal sequência transcende as ilusões da contingência e do absurdo. Por trás da aparência gratuita e fortuita dos eventos, há necessidade e sentido.

24. Realizar o próprio Nome, realizar a própria Singularidade, é tudo o que nos cabe fazer. Quem se empenha nisso aproveita a vida. Quem se esquece disso, ainda que faça um milhão de coisas, desperdiça o seu tempo.

25. Trata-se de chegar a ser o que realmente se é.

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Leituras sugeridas

“Meu credo pessoal”

https://josetadeuarantes.wordpress.com/?s=Meu+credo+pessoal

“A realidade absoluta e suas manifestações primordiais”

https://josetadeuarantes.wordpress.com/?s=A+realidade+absoluta

“O filho arquetípico e seu poder medicinal”

https://josetadeuarantes.wordpress.com/?s=O+filho+arquet%C3%ADpico

“Cismas de um caminhante solitário…”

https://josetadeuarantes.wordpress.com/?s=Cismas+de+um+caminhante+

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Imagem ao alto

Buriti, Chapada dos Veadeiros, 2022. Foto de JTA.

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