Bolhas de sabão

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Foto: “Reflection in a soap bubble”. Fonte: TheBrockenInaGlory

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“Todo o mundo é um movimento do Espirito em Si Mesmo, e é mutável e transiente em todas as suas formações e aparências; sua única eternidade é uma eternidade de recorrência; sua única estabilidade, um simulacro causado por certas fixações aparentes de relação e agrupamento. Cada objeto separado no universo é, de fato, ele mesmo, o universo inteiro, apresentando uma certa fachada ou aparência exterior de seu movimento. O microcosmo é um com o macrocosmo”.
(Sri Aurobindo, Comentário à Isha Upanishad)
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“Cada momento e cada acontecimento na vida do homem aqui na terra plantam em sua alma uma semente (…) Tenho pois de aprender a me desafazer das coisas familiares e ordinárias e a consentir no que é novo para mim e estranho. Tenho de aprender a ‘largar-me’ para poder me encontrar, entregando-me ao amor de Deus. Se eu estivesse à procura de Deus, cada acontecimento e cada momento haveriam de plantar em minha vontade sementes de sua vida que um dia dariam maravilhosa colheita”.
(Thomas Merton, Novas Sementes de Contemplação)
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Em um referencial exterior, eu avanço, do passado para o futuro, deixando atrás de mim o que foi, e tendo à minha frente o que será. Em meu próprio referencial, porém, é o mundo que vem a mim, do futuro para o passado, como a paisagem que se desloca ao encontro de um veículo em movimento, ou bolhas de sabão sopradas sobre o meu rosto, que se rompem ao me tocarem a pele.
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Observada mais acuradamente, cada bolha é um conjunto de possibilidades, que colapsa ao incidir sobre o campo da experiência, produzindo um evento singular, e abortando os outros possíveis. Mas o evento não é algo estático e passivo, como uma incisão feita na pedra. Ele é, ao contrário, um ente dinâmico e criativo, como uma semente, que traz em si a potência da árvore e a promessa da sombra que a árvore um dia poderá projetar.
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Penso na semente. E releio, em Mateus, 13: “Eis que o semeador saiu para semear. E, ao semear, uma parte da semente caiu à beira do caminho. As aves vieram e a comeram. Outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra. Logo brotou, porque a terra era pouco profunda. Mas, ao surgir o sol, queimou-se, e, por não ter raiz, secou. Outra parte, ainda, caiu entre os espinhos. Os espinhos cresceram e a abafaram. Outra parte, finalmente, caiu em terra boa. E produziu frutos: uma cem, outra sessenta e outra trinta. Quem tem ouvidos, ouça!”.
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Entendo que cada evento-semente é, de fato, a manifestação irrepetível de um Nome Divino, que concentra, na singularidade do instante, a Totalidade dos Nomes, vista sob um ângulo específico de mirada. O fluxo da experiência é, então, um desdobrar incessante de Nomes; um diálogo reiterado da criatura com o Criador; ou, melhor dizendo (uma vez que tudo é Um), um monólogo sempre renovado do Criador consigo mesmo.
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No referencial exterior ou em meu próprio referencial, minha condição é sempre o presente, por mais que eu me iluda com a nostalgia do passado ou a fantasia do futuro. Mas, se estar no presente é uma imposição, estar presente é uma escolha ou um dom. Estar presente é participar conscientemente do diálogo, como fonte inesgotável de novidade e deleite. Estar presente é ser a terra boa, na qual as sementes possam germinar e produzir frutos.
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