Teia de caminhos (poema de Kabir)

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Abre os olhos do amor e vê que ele preenche este mundo.
Olha bem e o encontrarás aqui mesmo, nesta terra.
Quando encontrares o Satguru, ele despertará teu coração
E te desvelará o segredo da aspiração e do desapego.
Entenderás, então, que ele também transcende este mundo,
E sua teia de caminhos te trará o encanto e o espanto.
Alcançar a meta sem percorrer a estrada faz parte do jogo,
Pois unidade e diversidade são um colar em sua mão.
Um só fio, múltiplas contas: girá-lo é para ele um esporte.
Que diferença então existe entre a posse e a renúncia?

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Compreende isso e o fogo de ter não te queimará outra vez.

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Vê que, no seio de todo movimento, ele repousa imóvel,
E, de sua informalidade, irrompem miríades de formas;
Que, no epicentro do cosmo, envolto em luz, ele se senta,
E mil sóis empalideceriam ante o fulgor de seu rosto;
Que, diante de seus pés, fluem as águas da vida e da morte,
E não existe qualquer diferença entre um fluxo e outro.
Chamam-no vazio, a ele que gera e sustém tudo o que existe.
Mas a filosofia não o alcança e dele nada pode ser dito.
E como poderia – ó irmão – se o afortunado que o contempla
Não consegue distinguir corpo nem forma nem extensão?

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Feliz de quem nele ancora, pois transcende a vida e a morte.
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Kabir diz:
A palavra que sai da boca não o nomeia.
As letras que percorrem o papel não o enlaçam.
Diante dele, sou como a criança que prova um doce.
Por mais que me esforce, como poderia descrever seu sabor?

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Nota

Este é o poema 76 de meu livro Kabir: Cem Poemas (Attar Editorial, 2013). O título não faz parte. Eu o adotei aqui por conveniência editorial.

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