“É sempre indagação. É sempre busca” (uma entrevista com Maria Bonomi)

‘Pássaro rutilante…’ (Bonomi, 2003, xilografia 150 x 300 cm)

*

Nascida em uma aldeia localizada às margens do Lago Maggiore, nas proximidades de Milão, Itália, em 8 de julho de 1935, e emigrada para o Brasil em 1946, Maria Bonomi já fez de tudo, ou quase, no campo das artes visuais: desenho, pintura, gravura, escultura, cenografia e muito mais, de pequenas ilustrações para livros de poesias a grandes cenários para o teatro, de gravuras intimistas a intervenções monumentais no espaço público, como o enorme painel de três metros de altura por 73 metros de comprimento na Estação Luz do Metrô de São Paulo. Em todos esses trabalhos, como disse, foi a linguagem da gravura que a orientou: a linha, o sulco, a construção do espaço a partir de elementos simples.

Em 2014, quando estava com 80 anos, ela me concedeu, em seu grande ateliê, esta entrevista, que foi publicada na Agência FAPESP. Meu colega e amigo Phelipe Janning estava junto, gravando um vídeo, e participou da conversa com intervenções inteligentes. Reproduzo a entrevista aqui, na íntegra.

*

Você é uma artista em plena vitalidade criativa. Sua obra não está concluída; continua sendo feita. Mas, aos 80 anos, você tem o direito de olhar para trás. Que sentido ou sentidos você percebe ao recapitular a trajetória percorrida?

É uma pergunta muito forte. Eu não gosto de olhar para trás, porque viraria estátua de sal. Tenho a obrigação de rever as obras anteriores. E cada uma vem plena, com toda razão de ser que teve no momento de sua criação. Isso já é bastante. Então, ainda não comecei a olhar para trás. Talvez comece algum dia, seguindo o seu conselho. Avaliações também não são possíveis. O que existe é o grande aprendizado. Como você disse, minha obra não está feita, está se fazendo. Sobrou pouco tempo para que se faça. Há mais tempo para trás do que para frente, a menos que ocorra algum milagre da ciência. Então, o fato de ter pouco tempo me mantém em uma busca permanente para completar. Nisso, sim, entra o olhar para trás. Tal obra ficou de certa maneira, mas poderia ter ficado de outra: isso me impulsiona a retomar o tema. Esse movimento é o aprendizado, a soma. Espero que eu tenha vitalidade para ir até o ponto de conclusão. Mas o ponto de conclusão vai estar do outro lado da ponte. O ponto de conclusão não existe como conhecimento. É sempre indagação. É sempre busca.

Mesmo assim, você percebe linhas de força ao longo de toda a sua produção?

Sim. O que eu faço é uma espécie de relato. O relato do vivido, o relato do percebido, o relato daquilo que me atinge. Eu tento conviver com o que está acontecendo e traduzir essa convivência em termos visuais. Para isso, existem, é claro, vários modos de expressão: existe a obra pública, existe a obra intimista. Eu ilustro essa experiência de vida. Há um caminho. Mas, como diz o provérbio, o caminho se faz ao caminhar. Ele é recorrente apenas como experiência. O que eu aprendi ontem estou usando hoje. E estou aprendendo hoje aquilo que usarei amanhã.

Você é neta do comendador Giuseppe Martinelli, cujo nome está associado à história da cidade de São Paulo, pela coragem de ter construído nas décadas de 1920-1930 aquele que foi durante um tempo o arranha-céu mais alto da América Latina, com 30 andares. Que lembranças você tem desse avô materno?

Por causa do provincianismo da cidade, da incompreensão da população, que achava perigoso subir tão alto, ele teve que vender o prédio em 1939. Ficou magoado com São Paulo e mudou-se para o Rio de Janeiro. Ele perdeu o prédio, mas não perdeu o sonho, o sonho da América. Tanto que, no Rio, construiu outros oito edifícios, todos com quase 20 andares. Antes, em 1917, havia fundado a companhia de navegação Lloyd Nacional. Eu o conheci em 1945, quando cheguei ao Brasil, com 10 anos de idade. Meus pais vieram para São Paulo e eu fiquei morando com ele no Rio. Ele morreu cerca de um ano mais tarde. Mas, antes disso, veio comigo a São Paulo. Viemos de trem, descemos na Estação da Luz, e pegamos um táxi. Lembro que ele disse ao motorista: “Não passe pela Badaró”. Não queria transitar pela rua Líbero Badaró para não avistar o prédio. Era o desgosto por uma obra feita. Já eu tenho desgosto por obras não feitas.

No seu período de formação, você teve aulas, no Brasil, com três grandes artistas: Yolanda Mohalyi (1909 – 1978), Karl Plattner (1919 – 1986) e Lívio Abramo (1903 – 1993). Qual foi, para você, o legado mais importante de cada um deles?

O Karl Plattner me marcou pela questão da matéria. Ele me ensinou muita coisa sobre o uso dos materiais, os efeitos possíveis, os truques técnicos. Com ele, eu me tornei, em termos técnicos, praticamente uma pintora do renascimento italiano. Ao mesmo tempo, em termos formais, ele me mostrou a possibilidade, muito moderna, de destruir a imagem natural para geometrizá-la. A Yolanda Mohalyi era uma alma fantástica, uma pintora solene, de primeira linha. Ela me ensinou a delicadeza do encontro das cores, a suavidade da infusão das cores umas nas outras, a espacialidade das cores, tudo o que se podia obter com a cor por meio da aquarela, do óleo. Fiquei no ateliê dela por muito tempo. O Plattner foi a estrutura, a Mohalyi foi a importância do detalhe. Mas Lívio Abramo foi o encontro maior. Primeiro, eu conheci a obra dele; depois, a pessoa. Os dois encontros foram difíceis, mas muito apaixonantes. A obra dele me atraiu pela concisão, pelo rigor, pela essência. O Lívio trabalhava só com a linha, o branco e o preto. E isso trazia para o primeiro plano a linguagem do sulco, do traço, reduzido às mínimas consequências. Tudo muito simplificado e, ao mesmo tempo, magnífico, compondo catedrais de luz, de formas. Sua atitude me marcou muito. Até hoje eu convivo com as questões que ele apresentou. São as questões básicas que constituem a gravura: o traço, a matriz, o branco, o preto, cortar, sentir a resistência da madeira, abrir um espaço. Eu sofri muito com ele: logo de início, ele me fez passar três meses apenas lixando madeira, para eu entender com o que estava lidando. E por aí foi.

Então foi Lívio que a encaminhou para a gravura? Pois você poderia ter ido também para a pintura, a partir das influências de Plattner e de Mohalyi.

Sim, eu vinha do desenho, da pintura. Na Terceira Bienal apresentei pinturas. De repente, entro na exposição do Lívio e digo para mim mesma: é isto, está tudo aqui. E, nessa época, o Lívio nem era reconhecido como o grande artista que, de fato, foi. Ele era visto apenas como um gravador, entre outros gravadores.

Outras influências posteriores, que você reconhece e valoriza, foram as de Enrico Prampolini (1894 – 1956) e de Emilio Vedova (1919 – 2006), com quem você trabalhou quando retornou à Itália. Em termos políticos, artísticos, existenciais, Prampolini e Vedova são duas opções quase antagônicas. Como você conseguiu conciliá-las?

O Prampolini tinha uma grande experiência com o que é chamado na Itália de polimaterismo, que é a utilização de materiais diversos na produção da obra de arte. Ele se dedicava na época à cenografia. Trabalhei com ele em Roma em 1952…

Já era um Prampolini bem posterior ao da fase futurista…

Sim, mas com resquícios ainda muito fortes do futurismo. Ele fazia cenários que, em grande medida, ainda eram futuristas. Como todos os grandes artistas europeus, ele tinha assistentes. E eu, que era muito jovem, entrei no bolo. Trabalhei com ele em cenários e, juntos, fizemos até escavações perto de Roma. Ele me marcou muito também pela questão italiana. Em 1952, a Itália ainda estava vivendo o clima do pós-guerra. Apesar de ter nascido lá, eu não tinha tido contato com a cultura italiana. E o Prampolini foi um dos que me abriu essa porta.

Ele e Vedova eram muito divergentes…

Completamente díspares. O Vedova participou da Bienal de São Paulo e recebeu um prêmio aqui. E eu fui escolhida como uma de suas assistentes. Trabalhei com ele em Berlim, para onde ele foi com uma bolsa de estudos. Era completamente diferente do Prampolini: seu método era o antimétodo. Era o traço livre, a explosão do gesto, a explosão da tinta. E essa arte explosiva, imediata, era informada por uma visão política radical. Com ele, era o caos, mas um caos ordenado. Depois trabalhei com ele também em Veneza, onde ele tinha um estúdio dentro de uma catedral que havia sido esvaziada das imagens dos santos e das funções religiosas. Eu trabalhava com jovens de vários países, alemães, eslavos. Foi um período muito intenso.

Nessa época, você já tinha a consciência de que precisava integrar essas influências tão divergentes ou só estava interessada em viver o momento?

Eu desenhava, pintava, meu trabalho estava acontecendo nesses contextos. Mas eu não tinha a ideia de integrar. Não era um ato deliberado. A integração acontecia espontaneamente. Eu estava respirando e aprendi a respirar mais fundo.

Depois você foi para os Estados Unidos, onde estudou com Seong Moy (1921 – 2013). Ele foi sua porta de entrada para a cultura chinesa ou você se aproximou da China por outros caminhos?

A situação no Brasil estava um pouco parada. Então, eu consegui uma bolsa para trabalhar com o Seong Moy em Nova York. Nessa altura, eu já estava concentradíssima na xilogravura, não pensava em outras coisas. E o Seong Moy era considerado o grande mestre da xilogravura. Foi ele que me levou para os grandes formatos, para a cor, para as sobreposições de cores, para as transparências, todo esse virtuosismo da gravura tradicional chinesa. Ele era um contemporâneo, é claro, muito livre em relação à gravura mais convencional que se fazia na universidade – na Columbia University, por exemplo. Mas era também o herdeiro de uma tradição ancestral, muito ligado ao gestual chinês. Ele me abriu, sim, a porta da China. Porém o fez enquanto presença, enquanto sensibilidade, enquanto sugestão de percepção. Ensinou-me a perceber certas questões que constituem a visão oriental – muito diferente de nossa visão de origem europeia. Nesse sentido, houve também a influência do Sugai [o artista japonês Kumi Sugai (1919 – 1996)]. Eu me embuti de todas essas influências e de muitas outras. Elas me abriram portas. Eu passei por elas e continuei.

Mais tarde, você esteve pela primeira vez na China, em meados dos anos 1970, não foi?

Sim, foi em 1974. Participei do primeiro grupo de brasileiros que visitou o país, a convite do governo chinês. Foi uma viagem muito interessante, que se estendeu por 40 dias. Conheci muitos lugares e, a certa altura, comecei a ficar nervosa, porque não conseguia ver gravuras. Só tinha aquelas gravuras políticas, encomendadas pelo Partido, pelo Estado. Eu sabia que existiam dois gravadores autônomos, o Wu Biduan (nascido em 1926) e o Gu Yuan (1919 – 1996), mas não conseguia ter acesso a eles. Então, fiz uma greve de fome em um cemitério, porque queria conhecê-los. Para me acalmar, nossos cicerones me levaram a um grande ateliê de gravura. Porém aquilo foi pior, porque lá trabalhavam profissionais especializados, em temas especializados, mas eles não eram autores, não havia autoria, a ideia de autoria era até mesmo condenada. Eu insisti. E nossos cicerones acabaram conseguindo que eu tivesse um encontro com Biduan e Gu Yuan. Na época, eles eram meio proibidos; hoje, são considerados protótipos da atual escola de gravura chinesa.

Eles são referências agora.

Existe até um grande instituto em Beijing dedicado a um deles. E há, no país, uma intensa produção de gravuras, com ênfase na autoria. Visitei recentemente o ateliê de gravuras de Guanlan, que é hoje um dos maiores do mundo, com uma fantástica residência artística internacional. Eles me pediram para selecionar e convidar alguns artistas brasileiros para estagiar lá. Já foram alguns. É a recuperação de uma tradição, porque a gravura surgiu, na China, no século X. Mas a xilografia já não é feita lá da maneira tradicional. É feita de uma maneira mais moderna, inclusive com o uso de prensas. Eu aprendi a técnica de impressão deles e mostrei a eles o meu sistema.

Voltando aos anos 1970, você assumiu na época um posicionamento importante contra a Ditadura Civil-Militar, criou a série Balada do Terror, e chegou a ser presa e interrogada no DOI-CODI. Fale desse engajamento.

Era impossível ser a favor da Ditadura ou manter-se indiferente, porque havia um cerceamento muito grande, um tolhimento da liberdade de expressão, um cala-boca insuportável. Eu teria sido contra qualquer tipo de domínio como aquele. Mas foi uma atuação de retaguarda. Muitos amigos estavam sendo presos e nos empenhamos em cuidar de seus filhos. Além disso, eu participava de um ateliê de gravura junto com o Lívio Abramo. Ele era um trotskista e passamos a produzir panfletos e cartazes no ateliê. Aquele período foi um divisor de águas: ou você estava de um lado ou do outro.

Foi nesse contexto que você amadureceu a ideia da arte pública ou ela já vinha de antes?

Ela aconteceu naquele momento, mas a ideia da arte pública sempre me acompanhou, porque decorre da questão da tiragem da gravura. A gravura é uma forma de arte voltada para a multiplicação. Você produz várias cópias da mesma matriz, enumera, e vende ou distribui. Porém, apesar disso, o público atingido é sempre pequeno. Então, naquele momento, em que tantas obras arquitetônicas estavam sendo feitas, obras em grandes escalas, eu achava que havia uma falta de contato, de convívio, de comunhão com a arte. E pensei que, indo para os grandes espaços, estaria interagindo com o transeunte. A pessoa que passasse por ali poderia se intrigar e ser tocada de alguma maneira. De certo modo, essa reflexão era decorrência da própria técnica da gravura, era um impulso no sentido de ampliar o público. Questões extremamente ligadas à linguagem da gravura foram para o espaço público: eu produzi o sulco nas grandes paredes de concreto. Ao mesmo tempo, novas questões, relacionadas com a grande escala, foram acrescentadas: era preciso considerar quantas pessoas transitariam pelo local, em que condição de iluminação ocorreria o maior fluxo, e assim por diante. Foram experiências muito interessantes.

Como foi a primeira experiência?

Foi até uma brincadeira com o Artigas [o arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915 — 1985). Ele me disse: “Maria, você precisa ir para as paredes”. E colou uma gravura minha em uma das paredes do prédio da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo]. Sem saber, ele me deu a dica. Pois eu pensei: “Por que não transformar a própria parede em gravura?”. E essa ideia amadureceu na minha mente. Havia no período arquitetos muito arrojados que me chamaram. E ainda não existia esta febre imobiliária. Hoje, eu entro nesses prédios enormes e vejo os saguões vazios, com revestimentos de mármore, de granito, de vidro belga, quando poderiam ser trabalhados por obras de arte modificadoras do transeunte. Porque a arte pública transforma: a pessoa passa, vê aquilo e se questiona de alguma maneira.

Você tem exemplos da reação do público?

Tenho. Alguns são exemplos até divertidos. Há pouco tempo, uma senhora me telefonou e disse: “Você sabia que pintaram de verde o seu painel que fica no prédio da esquina da Paulista com a Bela Cintra?”. Eu respondi: “Sabia. Fui eu mesma que pintei”. É um painel bastante simples, que está lá desde 1975. Com o tempo, o concreto ficou um pouco ruim. O pessoal do prédio me chamou para discutir o tratamento a ser dado. Percebi que o entorno tinha mudado: as árvores, que eram pequeninhas na época em que o painel foi feito, haviam crescido. Então, resolvi pintar de verde os sulcos, que, antes, eram cinzas. Foi uma forma de reinserir o painel no contexto. E essa senhora, que morava em frente, me telefonou, achando que alguém havia mutilado a obra. Este é um caso. Existem vários outros.

Há aquele painel enorme na Estação Luz do Metrô de São Paulo…

Tem três metros de altura por 73 metros de comprimento. Há uma história interessante associada a esse painel. Minha avó materna morreu na Gripe Espanhola – acho que em 1908. O camburão passou e levou o corpo. Isso aconteceu com muitas pessoas mortas no período. Ninguém sabe o lugar em que ela foi enterrada. Então, em uma faixa do painel, baseada em uma fotografia, eu fiz um retrato da minha avó. Ela agora está lá.

Você disse que a arte pública transforma quem a vê. Como ela transformou sua própria obra?

É uma pergunta interessante. Eu fui até onde pude com o papel, em tamanhos maiores. A arte pública me deu a possibilidade da ampliação, de ampliar cada vez mais, incorporar questões quase estruturais da obra arquitetônica em minha própria obra.

Como essa obra monumental convive com seus trabalhos mais intimistas?

Toda obra gigantesca começa com uma maquete pequena. Quando eu faço uma maquete, quando eu faço um desenho, isso é um trabalho intimista. É claro que há todo um conhecimento acumulado. A obra grande não é a mera ampliação da pequena. Muitas questões da grande escala já foram consideradas e resolvidas mentalmente antes da maquete.

Você teve muito contato com duas grandes escritoras: Clarice Lispector (1920 – 1977) e Cecília Meireles (1901 – 1964). Como foi essa interação?

Eu e a Clarice éramos muito amigas. Eu a conheci ainda em Washington. Nunca ilustrei nenhum trabalho dela. Mas havia entre nós uma grande proximidade, ao ponto de uma incorporar coisas da outra. Ela até começou a pintar, e dizia, brincando, que gravava as minhas obras e eu escrevia os livros dela. Com Cecília foi diferente. Fui convidada para ilustrar um livro infantil que ela estava escrevendo: Ou isto ou aquilo. Foi, na verdade, o último livro que ela escreveu. Ela já estava em São Paulo em tratamento. Escrevia as poesias no hospital e me enviava. E eu lhe levava as gravuras correspondentes, para que ela as visse, comentasse, criticasse. Eu me transportava ao mundo infantil das poesias que recebia e ela me devolvia seu comentário entusiasmado. Foi uma interação muito rica. Ela era uma poeta fantástica e se divertiu muito com esse vaivém. Por isso, eu digo que as artes transformam. A pessoa é transformada por aquilo que vê, que ouve, que toca.

Há uma enorme diferença de escala entre a página de um livro e a parede de uma estação de metrô. Você já fez praticamente de tudo no campo das artes visuais…

Fui respondendo aos acontecimentos, aos convites, às propostas. E me aperfeiçoei tecnicamente, contando também com colaboradores. Fiz cenários e figurinos, que são coisas bem naturalistas. Depois, fui convidada a produzir obras de maior durabilidade. Então, o papel já não interessava, e precisei ir para suportes como o alumínio, o cobre, o latão. Mas sempre é o sulco, a linha, o espaço escavado que mandam. As questões da gravura se expandem nessas obras. Eu me considero gravadora mesmo quando estou fazendo uma obra de cenografia ou dentro de um espaço de grandes dimensões, onde a luz é determinante. Já trabalhei em madeira, em gesso, em argila, em qualquer suporte onde possa criar uma relação espacial amorosa.

Como é o seu dia-a-dia? Você tem uma rotina de trabalho?

Eu não tenho rotina. Não olho para trás e não tenho rotina. Meu ideal é não parar de trabalhar. Quando estou com a ideia de algum trabalho na cabeça, não consigo fazer nenhuma outra coisa direito, nem escovar os dentes. Começo a elaborar uma imagem e fico colada naquilo. Há uma inversão: já não sou eu que busco a obra; é a obra que me busca. Este é o meu processo mais íntimo.

E o tempo de criação varia muito…

Varia muito. Não há um tempo preestabelecido. Agora, existem as encomendas, com seus prazos. Eu me dou bem com isso. Não tenho nenhum orgulho de dizer que não faço obra de encomenda. Faço, sim. Se Mozart fez, por que eu não deveria fazer? Mas sou sempre eu mesma naquilo que faço. E é isso que o cliente que me procura quer. Ele não quer que eu seja outra pessoa. Quer que eu seja eu mesma.