Os negocistas do Templo

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El Greco: Jesus expulsa os comerciantes e cambistas do Templo.

Jesus perdoou vários tipos de pecadores. Mas bateu forte naqueles que faziam da religião um negócio. A expulsão dos comerciantes e cambistas que atuavam no Templo de Jerusalém foi o grande exemplo disso. Para entender toda a radicalidade de seu gesto é preciso saber no que o Templo havia se transformado.

Depois dos persas e dos gregos, os romanos impuseram seu domínio sobre a Palestina, em 63 a.C.. E, no ano 40 a.C., Herodes, originário da Idumeia, foi proclamado rei da Judeia pelo senado romano. Seu pai, Antípatro, ocupara na administração romana a função de procurador, cargo cuja principal tarefa consistia em supervisionar a cobrança de impostos. Com muita habilidade política, nenhum escrúpulo moral, um exército de mercenários e as bênçãos de Roma, Herodes estendeu seu reinado sobre um território que ia da Síria ao Egito. Foi chamado “o Grande” graças a um fabuloso programa de obras urbanísticas e arquitetônicas.

Em seu governo, Jerusalém e muitas outras cidades foram reurbanizadas à moda romana: cortadas de ponta a ponta por grandes avenidas (o Cardo Maximo), subdivididas por ruas formando ângulos retos e embelezadas por palácios, anfiteatros, hipódromos, piscinas e jardins. Acima de todas as obras, destacou-se sua suntuosa reforma do Templo, com a qual esse rei estrangeiro e infiel esperava conquistar a simpatia dos judeus. Mas, se granjeou a adesão dos grandes proprietários rurais, que compunham a cúpula sacerdotal e o partido dos Saduceus, desagradou ainda mais os outros segmentos da população, pois o preço de seu frenesi de edificações foi uma extorsiva carga tributária.

A centralização do culto fortalecera a cúpula sacerdotal e enriquecera seus integrantes mais ilustres. Com a desagregação da monarquia, depois do exílio na Babilônia, esse alto clero assumiu o controle efetivo da vida nacional. E manteve sua proeminência mesmo sob os governos de Herodes e seus filhos.

A base econômica do poder sacerdotal eram os sacrifícios diários de animais (bois, carneiros e pombos) e a cobrança de impostos realizada no Templo. Os animais a serem sacrificados passavam por um rigoroso controle de qualidade, baseado nas regras de pureza estabelecidas no Levítico (um dos cinco livros que compõem a Torá ou Pentateuco – as Sagradas Escrituras judaicas, que correspondem à parte inicial do Antigo Testamento cristão). Essa peneira fina barrava os animais trazidos pelos fiéis, considerados “impuros”, e os obrigava a comprar outros, vendidos nos pátios do Templo. Ora, esses animais “puros”, aptos ao sacrifício, eram criados pelas próprias famílias sacerdotais ou por grandes proprietários com elas relacionados.

Os preços flutuavam de acordo com a demanda. E disparavam na época das festas religiosas. Um pombo, o animal mais barato, chegava a custar então 100 vezes o seu preço normal, sendo comercializado por um denário – quantia equivalente ao salário pago por um dia de trabalho. Estudos recentes dão uma ideia da importância econômica dessas transações. Eles informam que, em uma única data da vida de Jesus, por ocasião da Páscoa, foram imolados no Templo nada menos do que 250 mil cordeiros!

Os altos sacerdotes não lucravam apenas com a venda dos animais. Tiravam proveito também da conversão do dinheiro utilizado no pagamento. Pois as moedas correntes não podiam entrar no Templo. O motivo alegado era que se tratava de dinheiro “impuro”. Mas a verdadeira causa estava na corrosão de seu valor real, devido à inflação. Tanto é que as moedas comuns deviam ser trocadas pela Tetradracma Tíria, cunhada na cidade de Tiro, na Fenícia, atual Líbano. Em matéria de “pureza” ritual, dificilmente poderia ser encontrado algo menos adequado do que esse dinheiro estrangeiro, que trazia, em uma das faces, a imagem do deus pagão Melkart, protetor dos tirenses, e, na outra, a águia de Júpiter, principal divindade dos romanos. A diferença é que a Tetradracma Tíria era uma moeda forte, que não sofreu qualquer desvalorização em um período de 300 anos. Pela troca do dinheiro, os cambistas, aliados dos sacerdotes, cobravam ágio de 8%!

Além dos sacrifícios de animais e do câmbio, a cúpula sacerdotal beneficiava-se ainda com a cobrança do dízimo. Todo judeu do sexo masculino, com mais de 20 anos, era obrigado a pagar. E o Templo possuía o cadastro de cerca de um milhão de contribuintes, dentro e fora da Judeia. Não admira que judeus piedosos, como os essênios, abominassem o sistema econômico-político-religioso estruturado em torno do Templo. Muitos deles eram ex-sacerdotes, que haviam renunciado à sua proveitosa condição social por razões de consciência. Quando Jesus virou as mesas dos cambistas e expulsou os vendedores de animais do Templo, ele confrontou abertamente essa sórdida estrutura. A resposta não se fez esperar. Dias depois, o Sinédrio, o senado de Israel, controlado pelo partido dos Saduceus, o condenou à morte.

Ciosos de seus privilégios, os Saduceus pautavam-se por uma política de conciliação com as autoridades nomeadas por Roma, que lhes davam sustentação militar. E procuravam evitar qualquer conflito que pusesse em xeque esse pacto. Mas de pouco adiantou sua estratégia de panos quentes. A cobrança de impostos, a opressão política e a ingerência estrangeira em assuntos religiosos despertavam exaltada oposição judaica e geravam um clima de revolução iminente. Na década de 60 d.C., 30 anos depois da morte de Jesus, o país explodiu em levantes generalizados contra o domínio romano. A repressão ao movimento insurrecional judaico culminou, em 70 d.C., com a destruição de toda Jerusalém pelas legiões comandadas por Tito, futuro imperador de Roma. Do Templo sobrou apenas uma parte da muralha exterior, que constitui hoje o Muro das Lamentações, a mais importante ruína judaica.